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O leitor de Tweets

  • 113i2223
  • 10 de fev. de 2023
  • 2 min de leitura

Artigo redigido pelo professor Joaquim Araújo


Era uma pessoa que não conseguia ler mais do que três minutos, sem interrupção. Na escola, fora obrigado a aprender a ler. Ninguém o inquiriu acerca do assunto. Ensinaram-lhe e pronto!

Passada a escola, nunca mais leu. Salvo raras exceções, por imperativa necessidade, quando o momento era incontornável, por exemplo, tentar perceber o que exigia aquela oferta de emprego ou o que o seu clube publicava na primeira página de um jornal online, ou as legendas dos filmes, claro.

Um dia, pela esmagadora atração que os telemóveis lhe impunham, começou a seguir o Twitter, o «chilrear» pela net, não com mais de 280 caracteres, sensivelmente, cinco linhas.

No entanto, o problema maior, que não assumia, era uma aterradora falta de palavras quando desejava expressar-se, traduzir estados de espírito pois, normalmente, não conseguia encontrá-las na sua mente. De um modo geral, estas angustiosas situações psicológicas, caducavam num incomensurável desabafo: «Ninguém me compreende. Que raiva!».

Era uma pessoa inteligente e tinha-se nessa conta. A sua autoestima habituara-o a confiar nas suas capacidades e não desistir facilmente. Enfim, resolveu ler…tweets.

Com o autoimposto limite de três minutos de leitura estava a salvo nesse mundo. Apesar de, inevitavelmente, a atitude se manter negativa, anunciou a si próprio uma única regra geral nessa aventura, ler todos os dias.

Temos de comunicar uns com os outros. Certo. Mas não existirá outra forma para além das estúpidas palavras? Bom, tinha consciência que facilmente decorava uma letra de um RAP, não a matéria escolar. Isso demonstrava capacidades…

Não foi moroso, nem com exagerado dispêndio neuronal, descobrir a luz ao fundo do túnel. Eureka! Os emojis, os ícones de emoções. Seria simples comunicar apenas com emoções e um mínimo de palavras.

Enviou o seu primeiro Tweet:






Desesperadamente, a resposta demorou quase cinco minutos…

- 📜


Mas, a partir daí foi mais célere.

- 😶

- 😵‍💫

- 🚶

- 😩 🌧️


Hum!... Tentou outra abordagem menos cansativa.











A conversa foi breve e muito clara e distinta, sem ambiguidades e evidente. Mas, sentiu algum amargo de boca quando largou o telemóvel. Gostaria de lhe ter dito qual o seu problema com a leitura e não umas simples perguntas sobre o que fazia ou se queria sair, etc. Todavia, se lhe telefonasse para conversar decerto que a falta de palavras lhe assaltaria a mente e estragava-se tudo de novo. Dilema!? Falso dilema!?

Desistir? Não. Consultou a Emojipedia. Esperançado, pensava encontrar outros ícones que lhe permitissem soltar as suas ideias, ou melhor, imagens mentais sem palavras. Cada ícone que procurava, em inglês!, abrigava-o a ler pelo menos quatro frases, das quais percebia quase tudo, dada a simplicidade da linguagem utilizada. Durante quase dois dias leu imenso nesse «livro». Nada a fazer. Quando queria expressar uma emoção tinha de utilizar uma palavra. A sério? Não se podia pensar sem palavras ou, pelo menos, sem conceitos. Mesmo! Também tinha ouvido algo parecido numa aula de Filosofia...

Mais tarde, cansado, quase a adormecer, descobriu uma hipótese que lhe repôs a energia gasta: por si só, as «emoções gráficas» bastam para nos conhecermos a nós mesmos? Adormeceu.
 
 
 

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