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Conto: Se as pedras falassem, que histórias contariam?

MOTE: “Se as pedras falassem, que histórias contariam?”


Estava eu a andar por aí, quando fui parar a um convento em ruínas. Curiosa e com o espírito de historiadora a tilintar dentro de mim, decidi aproximar-me do edifício.


O monumento de pedra devia ter a altura de um prédio de 3 andares, e parecia ter marcas da transição do românico para o gótico, o que é comum em Portugal.


Aproximei-me ainda mais da estrutura antiga. Toquei numa das falhas da pedra amarelada mais perto de mim e, sem me aperceber, pus-me a falar sozinha em voz alta:


- Se vocês falassem... que tipo de histórias contar-me-iam?


-“que tipo de histórias”?... mas que pergunta! - uma voz fez-se ouvir vinda do nada.


Olhei em volta, mas estava sozinha. De onde teria vindo aquela misteriosa voz? Seria a minha mente a pregar-me partidas? Estaria eu a ficar maluca?


- Q-Quem fala? - perguntei eu, hesitante, e com a esperança de não ser respondida.


-Então tu falas comigo, eu respondo-te e ainda perguntas quem é? Realmente... humanos são muito estranhos... - a voz parecia indignada.


Olhei em volta, ainda perdida e muito, muito confusa com aquilo.


-Á tua frente!


Por fim, olhei para a pedra que havia tocado ainda nem há cinco minutos atrás.


- A ... P-pedra??? - gaguejei


- Sim, a “pedra”! E já agora, eu tenho um nome: pedra 2 5 6 – a pedra disse os dígitos um por um.


«não tinha um nome mais difícil?» pensei eu para os meus botões, mas sem dizer nada; poderia ela achá-lo insultuoso.


- O teu nome é um número?! -questionei então.


-Todas nós estamos associadas a um número. Era necessário numerar as pedras utilizadas nas construções. Se bem que existem por aí algumas que se acham “freguesas”, por terem uma marca do seu mestre construtor.


- Referes-te àquelas marcas feitas para marcarem a sua presença, certo? - lembrei-me de referirem isso numa visita, que tinha feito há alguns anos atrás, na Sé lisboeta, onde essas marcas ainda são visíveis nalgumas pedras.


- Exatamente! Ah... afinal não és tão idiota quanto pareces!


Ignorando o comentário (meio desnecessário) da pedra, quis saber sobre o seu mestre.


- O meu mestre foi o honrado Sr. Pêro Rocha. Não te surpreendas, assim como tantos outros, ele não aparece nos livros de história. Era um homem digno e modesto, pai de cinco filhos, coisa comum do seu tempo, com uma mulher lindíssima. Fazia de tudo para ter pão para alimentar a sua família. Eram pobres, mas tinham muita fé.


A pedra fez uma pausa. Decerto que, se fosse humana, estar-lhe-ia a cair uma lágrima salgada pelo rosto.


- Sabes, pode parecer fácil, mas a vida de uma pedra é difícil. É ser-se imortal e ver todos os que por ti passam partirem; é sentir-se útil e inútil ao mesmo tempo, porque tudo o que podemos fazer é ficar a olhar, enquanto nos sustentamos umas às outras, sem que nada possamos fazer para ajudar; é ver o tempo passar e as eras a mudar e, enfim, perceber que cada vez menos pessoas interessam-se em ouvir as histórias e os lamentos de uma pedra como eu...


 

- Tu perguntaste-me que histórias teria eu para contar, então, eu vou dar-te um resumo:


Já vi povo, realeza

Clero e nobreza;

Assisti a arraiais,

Casamentos e funerais;

Ouvi segredos e verdades,

Vozes de todas as idades;

Conheci estrangeiros à cidade,

Que cá chegaram por mera curiosidade;

Acolhi frades e freiras,

Que de dentro olhavam as feiras

Testemunhei pestes e terramotos,

Incêndios e maremotos;

Vi o mudar dos tempos e do povo,

Vi o que foi velho e o que é novo;

E há já várias gerações

Que oiço aquelas gloriosas canções

Daqueles que passaram por mim,

E eu pergunto se realmente passou tanto tempo assim...


Um silêncio triste inundou o ar. As sombras projetadas dos edifícios em volta baixavam.


- Obrigada, miúda – a sua voz tinha algo triste, mas doce - são poucos os que ousam ouvir as pedras. Gostava que partilhasses estas histórias por aí, como os trovadores dos tempos antigos; pode ser que mais gente se interesse pelas nossas histórias. Obrigado, por ouvires esta velha pedra.


A sombra tapou totalmente a pedra, e o silêncio voltou a instalar-se na área. Mas, diferente de antes, já não era um silêncio de morte. Era, antes, um silêncio de um “até breve”, um silêncio que anuncia que a vida desta pedra, obviamente, não acabava aqui e que teria, no futuro, ainda mais histórias para contar. E eu, como a sua trovadora (talvez como aqueles que a ouviam muito antes de mim), estaria lá para a ouvir.


Voltei para a realidade quando percebi o meu telemóvel a tocar dentro da mala. Foi aí que reparei realmente nas horas (não me tinha apercebido de que tinha passado assim tanto tempo) e que me lembrei de uma outra coisa: estava, obviamente, atrasada para jantar.


Fui a correr de volta, mas o pensamento da pedra e das suas histórias corria comigo. «Que outras histórias terão outras pedras também para contar?»


Teresa da Costa, Turma 11º3I

Portugal, 13/agosto/2022

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